terça-feira, 21 de abril de 2015

Considerações sobre Cuba

Olá!

No meu relato da viagem a Cuba começo com um pouco de história almariada que se querem os factos como deve ser vão ver enciclopédias, e cenas, como os cubanitos que nem internet têm.

Cuba é um arquipélago formado por duas ilhas principais (Cuba e  Ilha da Juventude) e várias ilhas e cayos (que não têm sequer água potável).

Quando os espanhóis lá chegaram, em finais de séc XV inícios de séc XVI, trataram de dar cabo de todos autóctones. Uns mortos logo só para não chatearem, outros porque apanharam doenças que lhes eram estranhas e para as quais não tinham defesas e os que restaram foram de tal forma explorados em trabalhos pesados que também depressa se finaram.
Como precisavam de malta para trabalhar na cana de açúcar e os "conquistadores" vergar a mola tá quieto, trataram de "importar" uns quantos moços e moças africanos altos e espadaúdos para darem conta do assunto.
Ora, espanholitos, malta que sabemos muito católica, lidavam agora com os africanitos, malta com os seus próprios deuses e culturas bem diferentes conforme a região de África de onde provinham. No meio disto tudo, os africanos conseguiram manter a sua cultura e surgiu a religião oficial de Cuba que é a Santeria (basicamente existem deuses próprios equivalentes aos católicos mas todo o ritual é diferente, mas é uma religião do bem, ao contrário do vizinho Haiti onde predomina o Vodoo).
Actualmente apenas as pessoas mais velhas se mantém católicas. Um dos nossos guias, o António, de 58 anos, conta que no seu tempo de estudante universitário só o facto de ser visto à porta de uma igreja católica lhe valia a expulsão da universidade. Bem, todos sabemos que catolicismo não joga bem com comunismo, é mais amigo das direitas. Actualmente a convivência já é mais pacífica, especialmente depois do Fidel ter lá recebido o João Paulo II.

Estávamos então nos escravos e seus donos e na exploração intensiva da cana de açúcar e do trabalho nos engenhos nas fazendas desses senhores espanhóis. Entretanto, no século XIX apareceu um senhor dono de um desses engenhos que resolveu libertar os seus escravos e iniciar esse processo de libertação (não me lembro agora do nome mas se for muito importante digam-me que procuro. :)). Depois, na transição do século e inícios do XX aparece um grande herói nacional, o José Marti, que luta para libertar Cuba do domínio espanhol. Mecinho que morre novo com uns 42 anos, na sua primeira batalha, porque apesar de ser um grande pensador e idealizador, pouco percebia de guerra. Nos entretantos os tipinhos do grande país acima de Cuba acham que é boa ideia ajudá-los e toca de se instalarem na ilha.

Pelo meio desta história entra um tal de Baptista no poder, um ditador que era um belo de hijo de puta e que disponibiliza Cuba aos amaricanos que punham e dispunham enquanto ele se forrava bem.

E é aqui quem entram os nossos amigos Che e Fidel, no início dos anos 50. Mecinhos de bem, de famílias ricas. O Ernesto Guevara (que Che era só prós chegados,comandante El Che) tinha estudado medicina e já tinha andado a laurear a pevide por toda a América do Sul (Alguém se lembra do 'Diários de motocicleta'?) e o Fidel, belo estudante de advocacia, profissão que lhe serviu para se apresentar inclusive em defesa própria e também dos seus ideias revolucionários.Ora o Fidel foi prós lados do Ernesto, se não me engano, e o Ernesto, após se inteirar da situação em Cuba, resolve juntar-se para libertar o seu povo dos exploradores do EUA e dar cabo do canastro ao tal de Baptista.
Fidel e Ernesto eram excelentes estrategas. Ernesto, apesar de novo, já tinha bastantes escritos, família e uma vida cheia de aventuras mas, pelos vistos, faltava-lhe lutar pela libertação do povo cubano.
Fizeram uma série de incursões, recrutaram pessoal, inclusive mulheres que se destacaram bastante e lá foram caminho de Cuba tomar conta daquilo. Não vou descrever os pormenores dizendo apenas que tiveram bastantes baixas, viveram na Serra Maestra onde tiveram o seu quartel e não era fácil, tendo a sorte de terem um óptimo médico e guerrilheiro entre eles. Recrutaram gente entre os agricultores e lá conseguiram recuperar Cuba aos amaricanos.

Cuba era a estância dos amaricanos onde viviam como lordes, diversas estrelas de cinema ali estiveram e viviam luxuosamente em hotéis e deslocavam-se nos maravilhosos carrões.
Ora acontece que essa gente teve de voltar toda recambiada para o seu país, ficaram os carros americanos, o seu luxo e um país à mercê de uma nova organização.

Um dos locais onde Fidel formou quartel general e onde foram delineadas estratégias para os novos tempos foi precisamente o Hotel Habana Libre (que era um Hilton, imagine-se!, e tinha sido inaugurado no ano anterior), que foi onde nos hospedamos. Pisei os mesmos sítios que o Fidel e o Che nos primeiros tempos de liberdade de Cuba. Yay! :D

E pronto, ficamos aqui no final dos anos 50, quando Fidel corta relações com os EUA. A partir deste momento o bloqueio marca indelevelmente a vida na ilha.
Pára no tempo, trabalham-se os ideias da revolução enquanto as estruturas físicas se desmoronam e um povo perece à mercê do ideal comunista.

Um dos primeiros planos pós-revolução era dar educação a todos. São mandados instrutores para toda a ilha e, ao fim de um ano, não há analfabetos. Delineiam-se também estratégias no campo da saúde. Que haja um médico de família que preste auxilio até nas áreas mais inacessíveis da ilha.
Actualmente estima-se que a esperança média de vida esteja nos 75 anos, haja um mestre para cada 42 pessoas, e não haja analfabetos.

Mas isto tudo a troco de quê?  A Cuba que vi chocou-me. Apesar do que me disseram, de tudo o que li, fiquei muito mais impressionada do que estava à espera. Do que vi e me contaram as pessoas de lá pergunto-me e perguntam-se eles de que se serve a instrução se é só para se aperceberem ainda mais da forma de sobrevivência a que estão votados a viver.

Os carros antigos dos anos 50 são lindos e são a maioria, nunca pensei que fossem tantos. Mas são o meio de transporte das pessoas, com todos os prejuízos que daí advém, nomeadamente a poluição. Depois vêm-se carros russos (que eram amiguinhos) dos anos 70 também muito em forma, como se deve imaginar, e alguns recentes e na sua maioria de fabrico oriental. Aliás, os autocarros que transportam os turistas são da marca chinesa yutong.

Mal chegamos a Havana começamos logo a largar dinheiro e conhecemos de imediato a forma dos cubanos se safarem. São peritos em sacar CUC (peso convertível) aos turistas desprevenidos. Aliás, ressalvo aqui que só os turistas usam o CUC, os habitantes de Cuba, apesar de receberem o ordenado (lol, se se lhe pode chamar isso) em CUC têm de o converter em pesos cubanos que é a moeda dos locais.

Logo no dia em que chegamos ao passado e, por incrível que pareça, não só no sentido literal, hehe, fomos até ao Malécon, a famosa avenida de La Habana junto ao mar. As avenidas estavam cheias de adolescentes e miúdos num domingo à noite, coisa que me espantou mas depois soube o motivo disso.
Quando chegamos ao Malécon descobrimos que oceano pega com o céu num negrume indescritível. Parece um buraco negro, uma cortina de ferro literal que todos os dias se fecha a volta de Cuba. A partir da rebentação das ondas é a ausência de tudo. Estranho, nunca coisa assim tinha visto.

No primeiro dia em Cuba demos uma volta no bus turístico para ter uma ideia daquilo, um calor e humidade terríveis e eu a pensar que não vivia para contar a história. Depois passeámos por Havana Velha e descobrimos os museus fechados. Ah, não esquecer que enquanto andamos pelas ruas os CUC nos vão desaparecendo dos bolsos. Até o simples acto de ir ao WC implica CUC. Um senhora está sempre à porta e dá-nos umas folhinhas de papel higiénico em troca do CUC e mesmo que não queiras o papel pede-te o CUC na mesma.

Nesse mesmo dia comi a maior lagosta do mundo por apenas 12 CUC enquanto ouvia um concerto de piano, violino e flauta. Peculiaridades de La Habana.

As lojas têm pouquíssima variedade de produtos e sempre com os preços nas duas moedas. Segundo o António, o guia, existe uma loja com tudo o que possamos imaginar lá dentro e onde os cubanos não têm autorização para entrar.

Já no Hotel resolvi adoecer à conta do ar condicionado e passei os dois dias seguintes com uma dor de garganta daquelas boas, mesmo boas.
No dia seguinte íamos feitinhos para visitar a Universidade quando numa praça em frente somos abordados por uma senhora que nos diz "É linda, pena que não a possam visitar.". Lá nos diz que estão numa semana de férias escolares (razão pela qual os miúdos andavam todos na rua) e oferece-se para nos levar a um museu vivo a céu aberto. A obra em curso de um artista do qual não me lembro o nome e que, no bairro dele, vai colocando esculturas feitas de "lixo", pintando paredes, dá formação em artes e por aí fora. De caminho a Cristiana conta-nos um pouco das maravilhas de Cuba. É professora universitária de matemática, ganha 35 CUC por mês, tem uma filha enfermeira (33 anos) que vai ter bebé no mês que vem e o genro (35 anos) que é médico e anda por África num contrato de 3 anos de onde o vão liberar um mês para ir ver a filha. Num país assim é uma aventura ter filhos e a Cristiana só teve uma e conta que a sua filha faça o mesmo. A mãe de Cristiana é uma velha rija de 89 anos e ela tem 52 anos apesar de parecer bem mais nova. Leva-nos a uma farmácia e explica-nos que ali há os medicamentos que são vendidos com receita médica e há os naturais. Fico espantada com tão pouca opção mas imagino que lá funcione também cada medicamente apenas pelo princípio activo. Ela conta-nos que, apesar do que contam da educação e saúde serem gratuitas, está tudo cada vez pior. Se a pessoa vai ao hospital e vai ser internada, ao contrário de antes em que forneciam a roupa de cama, agora só dão cama ao paciente quando a família lá aparecer com a roupa de cama. Com os medicamentos também é complicado e, tal como também o António contou, a saúde é gratuita, mas se tens uma gratificação para dar ao médico és logo atendido, caso contrário morres lá seco à espera. Os pensos higiénicos também são fornecidos pelo "governo" à proporção mensal que eles acham que deve ser e, como nos confirmaram os dois guias, antes as senhas de racionamento incluíam bens de higiene e agora já não. Por tal, papel higiénico, sabonete e pasta de dentes, em Cuba, são mais preciosos do que ouro.

Lá chegamos ao tal bairro do artista, a Cristiana, como os cubanos sabem tão bem para se safarem na vida, levou-nos ao bar do bairro para beber algo tradicional de que não me recordo os nome e que nos ficou a 5 CUC cada copo, ainda nos disse que também lá tinham um paladar (espécie de restaurantes privados nas casas das pessoas) e ainda nos tentou impingir uns CDs de música cubana que eram para financiar a obra. Explicou-nos que as pessoas com um cartão ao peito, tal como um rapaz que lá estava com uns turistas, são guias acreditados da Oficina do Historiador.
Ela ainda queria que ficássemos para ver uma banda actuar mas bazámos porque ainda pretendíamos ver alguns museus. Demos-lhe 10 CUC para as ajudas porque, apesar de ela dizer que não fazia isto para viver, que tinha uma senhora de quem cuidava e lhe dava o dinheiro extra de que precisava para viver, cá a je sabe que isso não era bem verdade. Ficou muito agradecida que ia ajudar no leite do bebé e ainda me explicou que as fraldas do bebé seriam de pano que não há de outras. A Cristiana é das poucas cubanas que tem casa própria uma vez que a mãe a tinha adquirido antes dos anos 50.
Actualmente os cubanos vivem na grande maioria em casas do estado. O pior é que, ok, são de graça ou quase, não entendi bem, mas estão a cair de podres, há prédios em que metade caiu e a outra metade está habitada, por exemplo. E se se queixam, alojam-nos onde dá sem se preocuparem onde a pessoa tem a sua vida. Comprar casa ou carro actualmente é impossível para o cubano comum. Com ordenados na ordem dos 30 CUC que é mais ou menos o mesmo em EUR e os preços como os de Portugal, dá para ter ma pequena ideia, como dizia o outro, "olhe, faça as contas!". A economia paralela garante a vida daquela gente e o dinheiro que conseguem "aliviar" aos turistas é a sua maior fonte de rendimento.

Em Havana tudo dá para ganhar dinheiro, vender artesanato, angariar turistas para bares e restaurantes, para andarem nos carros antigos e nos demais meios de transporte que por lá proliferam. É tudo uma série de esquemas que permitem a sobrevivência do cubano. Claro que depois há malta que, percebendo que vive melhor só de esquemas, é disso que faz a vida. 
No entanto, criminalidade não há. Vah, do mal o menos. :P

Num dos museus percebemos que, além de haver uma senhora ou mais em cada sala que nos abordavam a perguntar de onde éramos e depois ficavam à espera de dinheiro, haviam salas fechadas que só eram abertas a quem aparentasse ter CUCs para dar. Uns esquemas mesmo do arco da velha. Na entrada podíamos pagar mais para poder tirar fotos mas lá dentro elas diziam que podíamos tirar que elas faziam que não viam, isto na esperança de darmos algo em troca. A primeira que nos abordou disse que agora já não havia muitos portugueses a visitar Havana. Disse-lhe que era porque também estávamos miseráveis.

À noite fomos ao forte assistir ao "canhonazo", uma cerimónia em que andam vestidos à antiga e disparam um canhão. Simboliza uma época em que havia recolher obrigatório a partir da hora desse tiro (não me recordo se foi quando os ingleses lá estiveram ou algo assim). Para lá fomos num táxi oficial a partir de não muito longe da Praça de São Francisco e pagámos 5 CUC. Na entrada pediram-nos o bilhete e não tínhamos, então a senhora disse que lhe podíamos dar dissimuladamente 5 CUC cada um porque se fossemos à bilheteira oficial eram 8 CUC. Lá dentro, numa rampa para um local mais alto de onde se via bem o "espectáculo" estavam novamente mais duas alminhas, um a pedir bilhetes para subir e outra a cobrá-los. Voltamos para trás e ao fim de um pouco percebemos que já não estavam a pedir bilhetes. Fomos lá e já se subia na boa enquanto as duas alminhas conversavam alegremente ao pé do cofre. Dentro desse forte também tem um corredor gigante só com malta com artesanato a tentar vender-to a todo o custo. Quando saímos lá de dentro eu estava a dizer que seria melhor arranjarmos outro táxi oficial há um tipo que nos ouve e diz logo que se queremos um táxi oficial ele tem. Acordamos o preço de 8 CUC até ao Hotel Nacional, o mais chique de La Habana e onde se hospedam os famosos, e lá fomos até ao seu táxi que era tudo menos oficial, como se pode imaginar. Basicamente nestes esquemas há sempre um indivíduo a angariar incautos e outro que conduz. 

Na manhã seguinte fomos para Varadero e aí começamos a ver o outro lado de Cuba, fora de Havana. Passámos pelas explorações de petróleo junto ao oceano, por Matanzas que é uma cidade com uma arquitectura colonial maravilhosa e lá chegamos a Varadero, essa meca do turismo de massas criada nos anos '90 quando o Fidel e a sua horda devem ter percebido que o turista era uma mina de ouro. Varadero é um península que tem praias, um cayo (penso), um género de pântanos, como os everglades em Miami, e está pejadinha de hotéis e mais uns quantos em construção. 
Bem, não vou falar muito do hotel de Varadero, o Las Morlas, apenas que era o sítio com a pior comida do mundo! Mas diz que, aparentemente, a praia deste hotel era das melhores. Os funcionários estavam sempre à cata do CUC, naturalmente, uns de forma mais óbvia que outros. O tratamento dos hóspedes distinguia-se entre quem dava e quem não dava. hehe! Lá distribui coisas a uma funcionária que achei fofa e não me pareceu à cata do CUC e pela rapariga da limpeza do quarto que ficou extasiada por lhe deixar pensos higiénicos e um resto de protector solar 50. A senhora a quem deixei uns sapatos que não me serviam e uns cremes disse logo que quando me fosse embora lhe deixasse tudo o que pudesse que eles não se importavam de estar usado porque tinham mesmo muita falta. No dia em que fui embora ela não estava e deixei à colega dizendo que era para as duas. Diz que os cubanos são honestos e se ajudam imenso entre eles. Aparentemente, o facto de trabalharem na meca do turismo não lhes facilita a vida.

Segundo o que António explicou e nos disse onde era, os empregados vivem numa terra longe dos hotéis em que trabalham, é um filme para se fazerem deslocar de um lado para o outro, basicamente em camiões, empacotados com aquele calor, pior do que nós transportamos o nosso gado. O António diz que quem governa os transportes em Cuba é a igreja, os autocarros chegam quando Deus quiser. :D
O transporte na ilha é um problema. Só há os carros antigos que pertencem as uns quantos. Pedir boleia é uma instituição em Cuba. Como já tínhamos também constatado em Havana onde os jovens pediam nas avenidas a qualquer carro que passasse. Quando se vai para fora da cidade piora, há menos carros privados e mais carrinhas, camiões, transporte escolar com mais de 60 anos anos. Supostamente os transportes do governo são sempre obrigados a dar boleia. Os camiões andam sempre cheios de gente a monte mas o António diz que há malta que anda com os carros do governo a passear a namorada e não dá boleias e isso é ilegal.

No sábado fomos fazer uma visita a Santa Clara, onde está o túmulo, memorial e museu do Che Guevara. Ele foi morto aos 38 anos, na Colômbia, mais uns quantos companheiros. Alguns estão ali enterrados com ele, outros a família não quis. Há quem ache que o Fidel é que o mandou matar. Quando Che foi assassinado, os planos iniciais da revolução já começavam a sofrer mudanças drásticas em relação ao preconizado.

Até lá, de caminho, começa o verdadeiro banho de realidade do interior cubado. passamos pela localidade onde vivem os funcionários dos hotéis e que mais parece um bairro da lata e os carros privados começam a ser mesmo raros sendo substituídos por pedaleiras, carros de bestas e esporádicos camiões e carrinhas velhas. Passamos por uma terra que, de tão agradecida pelo advento da bicicleta a pedal nos anos 90, até lhe fez uma estátua e a partir daí passamos por campos de fruta, cana de açúcar, tabaco e vemos a forma como se vive no interior cubano. Claro que de dentro de um autocarro climatizado e com as explicações do nosso guia, um luxo a que um turista tem direito. A dada altura passamos por uns complexos habitacionais que se repetiram mais umas vezes na paisagem. Faziam parte de um projecto em que, na ideia delas, resultaria colocar lá crianças e estudar e a trabalhar nos campos ao mesmo tempo. Claro que não resultou, vá se lá saber porquê, né? As localidades e casas que se vêm são cada vez mais miseráveis, as pessoas pedem boleia, andam de bicicleta ou caminham debaixo de um sol abrasador. As paragens que fazemos na estrada são em locais em que os wc nem descarga de autoclismo têm, a senhora mete lá a água com baldes, não há estradas alcatroadas. Entramos numa serra terrível, com uma estrada péssima e, pela estrada, lá andam alminhas a pé, sem se saber bem o seu destino mas quase como se fossem imunes aquele sol abrasador. 

O António conta-nos que quem faz a revolução são os ricos. Que aquelas pessoas naquele meio de nenhures, com os seus casebres e cadeiras de baloiço à porta, desconhecem outra realidade. Todas as crianças vão à escola, há um médico que os assiste, para eles isso está bom, não os incomodem com revoluções. Segundo ele, quem não está de acordo com o actual governo não tem força para se revoltar. Existem um partido só. No dia anterior ao que fomos, no Panamá a 11/04/2015, Cuba e os EUA apertavam as mãos, estampados nas capas de todos os jornais do dia seguinte pela Europa. No dia em que voltámos, a 19/04/2015, haviam eleições. Vota-se a lápis.

Chegamos a Trinidad, cidade museu, com as suas casas coloniais pintadas e arranjadas. Almoçámos num restaurante buffet num edifício estilo colonial como todas as casas do seu centro histórico. Como tinha portas abertas em toda a volta um canito veio ser alimentado pelos turistas e depois também se acercaram crianças. Andavam recolhendo latas. Não se podia alimentar as crianças. É proibido. Supostamente ninguém passa fome em Cuba. No entanto as senhas de racionamento dão 3kg de arroz por mês, 5 ovos e café misturado com pó de ervilha que o nosso guia diz que ninguém o faz beber. Contou inclusivamente a história de alguém a quem a cafeteira explodiu de entupida com esta mistela. O nosso guia é um insurgente. Bebe café do bom e tem lagostas em casa (bicho que o cubano não pode comer). O António era engenheiro mecânico mas resolveu dedicar-se ao turismo para ter dinheiro. Tem um ar condicionado em casa, o magano, que só em energia gasta mais que 3 ordenados mensais dele.

Passámos ainda onde um comboio foi descarrilado pelas forças revolucionárias. Mais uma terra com um ar miserável com velhinhos desgraçados a pedir.
Em Cienfuegos, outra cidade bastante bem tratada para o padrão cubano, somos de imediato abordadas por senhoras a pedir sabão mal saímos do autocarro, esse bem de luxo!

Ainda vimos o mar caribenho pois quem se banha em Varadero desengane-se que não está no mar das Caraíbas mas sim no Oceano Atlântico. É mais escuro, as praias bem mais pequenas e com areia meio esverdeada. Não tem "resorts" mas o António conta que já estão em fase de preparação para lá se instalarem.
Tudo em Cuba pertence ao Estado, mesmo os hotéis, a percentagem maioritária é sempre de pelo menos 51% "para Cuba".
O António falou também abertamente na Maçonaria, como uma coisa boa. De facto tinha reparado em mais de uma casa em La Habana com os símbolos maçónicos e em Matanzas pelo menos vi duas na Avenida por onde passámos.

La Habana é lindíssima, com o seu charme colonial, os seus grandes, embora decadentes edifícios, a sua arquitectura neo clássica e art deco. Os carros antigos, confesso, nunca pensei que veria tantos e alguns maravilhosamente conservados.
Actualmente há muitas obras a decorrer em La Habana, restauro de edifícios e ruas mas, pelo aspecto dos tapumes, são obras como a de Sta Engrácia. 
Tenho pena de não ter visto mais da parte histórica de Cuba. Trinidad pareceu maravilhosa, do que vi, tal como Matanzas e Cienfuegos. Imagino que Santiago de Cuba seja fantástico.
Fiquei mesmo impressionada com a miséria que vi. As pessoas não terem o mínimo para sobreviver. Não haver acesso à internet, telemóvel ser um bem de luxo e automóvel, então, nem se fala. A Cristiana tinha um telemóvel disponibilizado pela Universidades. Ela dizia que era pior que um filho para alimentar. :)
As pessoas no geral são simpáticas. Conhecemos um rapaz, artista plástico, ele e o pai, que tinha vivido em Albufeira em '98. Conversou imenso, mostrou os quadros e no dia seguinte ainda nos chamou na rua. Tenho pena de não lhe ter comprado um quadro. O atelier é na rua San Juan de Dios, em La Habana, caso um dia lá vão e queiram comprar um quadro. ;) A Cristiana também era bem simpática, apesar de eu saber o tempo todo que tinha gancho. :) A malta na hotelaria, na generalidade, não primou pela simpatia. As mecinhas ascensoristas no Habana Libre eram simpáticas.

Gostava de voltar para esmiuçar tudo. É um país fascinante nas suas contrariedades e peculiaridades. Voltaria, no Inverno, hehe, que não tenho coragem para me submeter aquelas temperaturas e humidade de novo! Tenho curiosidade e receio em relação ao que a abertura vai trazer para aquela gente. Na tentativa comunista da igualdade, apesar de tabelar por baixo, criaram-se grande desigualdades entre quem vive na economia paralela e quem não vive ou vive menos. Como se consegue intervir num país com um modo de sobrevivência tão particular. É certamente um desafio. Mas dá bem para compreender porque é que de vez em quando se atiram uns magotes em jangadas pelo Oceano a caminho de Miami. Naquele país é o que há, não se pode aspirar a mais. Têm tratamentos médicos mas até esses separam quem pode mais de quem não pode. Têm  escola gratuita mas cada livro dá para umas quantas crianças e têm vários anos de uso. A universidade é gratuita mas de que serve se as pessoas vão ser pagas em nada quando trabalharem na profissão para que estudaram? (A filha do António é dentista, vai para a Venezuela, coisa que muito preocupa o seu pai, o filho estudou educação física, é treinador, e ao que me pareceu é uma beca baldas). Se têm de emigrar tendo sempre a maior fatia do seu ordenado a ser confiscado pelo governo Cubano. Para onde vai esse dinheiro? Pelo que vi não me parece que os balúrdios da indústria hoteleira, por exemplo, sejam usados para melhorar a vida dos Cubanos.

Isto realmente parece um relato horrível. LOL! Mas diverti-me, andei num automóvel dos anos 50, um Pontiac, vi imensos carros antigos como se estivesse num filme da era dourada de Hollywood, comi lagosta e bebi rum em cocktails e, se conseguisse fechar os olhos à realidade, conseguia imaginar o luxo que se viveu em La Habana nos tempos áureos há 60/70 anos e em Trinidad com os os seus donos de escravos e vida de negócios coloniais há mais de 100 anos. :)

E é isto. Depois tenho de ainda fazer uma escolha nas fotografias. :) Se me lembrar de mais coisas logo coloco e se quiserem perguntem, isto é, se tiveram coragem de ler tudo. Foi escrito tudo corrido por isso perdoem-me os erros, incongruências e pouca acuidade histórica e se repeti algumas coisas.

Obrigada! :)

"Hasta la victoria siempre."

Cristina Guerreiro

P.S. O António aconselha a ver o filme 'Regresso a Ítaca' que, segundo ele, dá uma visão bem justa e dura do que é a actual realidade cubana e eu aconselho o 'Juan de los Muertos' que é um olhar divertido mas caustico sobre a vida em Cuba, mais propriamente em La Habana.